A questão é de relevantíssimo resultado, haja vista que a questão aborda a discussão da possibilidade de centro acadêmico propor ação civil em favor de estudantes. Além disso foi discutida a necessidade autorização assemblear ou não.
Tendo o pleito sido extinto em razão de não reconhecimento da parte como legítima para aguir em sede de ação civil pública os direitos de consumidor dos estudantes de determinada universidade, respectivo Centro Acadêmico levou a discussão a Brasília, para em sede de Recurso Especial ver a condição de admissão da ação reconhecida para que a causa de pedir e pedido pudessem ser analisados em primeira instância.
A Lei 9.870/99 em seu art. 7º abordada no cerne da decisão diz repeito ao valor total das anuidades escolares, dando outras providências. Reclamando em seu bojo para que fosse cumprido a demonstração de parte legítima:
Art. 7o São legitimados à propositura das ações previstas na Lei no 8.078, de 1990, para a defesa dos direitos assegurados por esta Lei e pela legislação vigente, as associações de alunos, de pais de alunos e responsáveis, sendo indispensável, em qualquer caso, o apoio de, pelo menos, vinte por cento dos pais de alunos do estabelecimento de ensino ou dos alunos, no caso de ensino superior.
Dessa forma é o ponto central da discussão: quem são os legítimos para ajuizar ação civil pública?
A Lei 7.347/85 estabelece em seu art. 5º, um rol reconhecidamente taxativo pela doutrina e jurisprudência:
Art. 5º.Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
V - a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
As instâncias que negaram o pleito pautaram-se pelo fundamento de que centro acadêmico não estaria incluso dentre os legitimados.
Além do rol da Lei 7.347/85 temos a o CDC que complementa aquele rol no art. 81 e 82, a saber:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
I - o Ministério Público,
II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;
IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.
§ 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
Contudo, não foi esse o entendimento do STJ. Por relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, entendeu-se que o Centro Acadêmico, respeitadas as exigências legais, pode perfeitamente ser enquadrado na qualidade de associação legalmente constituída, nos termos do art. 82, IV, do CDC.
Nas suas razões o relator lembrou o fato de que os centros acadêmicos universitários se inserem na categoria de associação civil, pessoa jurídica criada a partir da união de pessoas cujos objetivos comuns de natureza não econômica se convergem, apoiado nos ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho.
Na análise do caso concreto, entendeu-se que os direitos postos em juízo, tratavam-se de interesses individuais dos estudantes de direito frente à instituição, e portanto, direitos individuais homogêneos, já que derivados de uma origem comum, qual seja, o regulamento da faculdade/universidade e os contratos de adesão celebrados entre a instituição de ensino e cada aluno. Daí a possibilidade razoável do pleito por meio de defesa coletiva de direitos pelo centro acadêmico, mediante ação civil pública, conforme o art. 81, parágrafo único, inciso III, do CDC. Ademais, perfeitamente comprovado a existência de disposição no Estatudo do Centro Acadêmico quanto a ter por finalidade ser órgão de representatividade dos estudantes de determinada cadeira e universidade, dentro e fora da Faculdade, congregando e defendendo seus interesses, inclusive dispositivo amplo o suficiente para não restringir determinada matéria da análise do judiciário, por falta de previsão estatutária.
A rigor da CR/88, art. 5º, XXI, podem defender direitos desde que EXPRESSAMENTE autorizadas. Contudo, o Ministro Relator demonstrou em seus fundamentos que tal mandamento tem sido desconsiderado, já que no âmbito do Supremo Tribunal Federal, muito embora se vislumbre alguma oscilação, a jurisprudência tem sedimentado entendimento no sentido da dispensa de autorização específica para a associação ajuizar ação coletiva em benefício dos filiados, reconhecendo-se, explicitamente, a ocorrência do fenômeno da substituição processual. Instrumento de representação só seria exigível caso a questão fosse de representação processual, o que segundo reiteradas análises das Cortes Superiores cuida na verdade de substituição processual sendo inexigível tal prova.
Apoiando sua tese ainda afirma: No caso de graduação universitária, os centros acadêmicos são, por excelência e por força de lei, as entidades representativas de cada curso de nível superior, mercê do que dispõe o art. 4º da Lei n.º 7.395/85, razão pela qual, nesse caso, o "apoio" a que faz menção a Lei n.º 9.870/99 deve ser presumido.
Contudo, caso esse não fosse o entendimento fixado pelos outros Ministros, era importante lembrar que ficou comprovada assembleia para colher assinatura dos estudantes de direito com vistas a defesa de seus direitos.
Resultado: após essa decisão fica totalmente admissível a propositura de ações civis públicas por Centros Acadêmicos, desde que comprovada a finalidade por meio de seu estatuto. E que sua natureza jurídica é de associação, englobada portanto no rol taxativo de legitimados a propor ações civis públicas.
Veja-se a Ementa da Decisão:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CENTRO ACADÊMICO DE DIREITO. LEGITIMIDADE. ASSOCIAÇÃO CIVIL REGULARMENTE CONSTITUÍDA. REPRESENTAÇÃO ADEQUADA. LEI N.º 9.870/99. EXEGESE SISTEMÁTICA COM O CDC.
1. Os "Centros Acadêmicos", nomenclatura utilizada para associações nas quais se congregam estudantes universitários, regularmente constituídos e desde que preenchidos os requisitos legais, possuem legitimidade para ajuizar ação civil pública em defesa dos direitos individuais homogêneos, de índole consumerista, dos estudantes do respectivo curso, frente à instituição de ensino particular. Nesse caso, a vocação institucional natural do centro acadêmico, relativamente aos estudantes de instituições de ensino privadas, insere-se no rol previsto nos arts. 82, IV, do CDC, e art. 5º da Lei n.º 7.347/85.
2. A jurisprudência do STF e do STJ reconhece que, cuidando-se de substituição processual, como no caso, não é de exigir-se autorização ad hoc dos associados para que a associação, regularmente constituída, ajuíze a ação civil pública cabível.
3. Por outro lado, o art. 7º da Lei 9.870/99, deve ser interpretado em harmonia com o art. 82, IV, do CDC, o qual é expresso em afirmar ser "dispensada a autorização assemblear" para as associações ajuizarem a ação coletiva.
4. Os centros acadêmicos são, por excelência e por força de lei, as entidades representativas de cada curso de nível superior, mercê do que dispõe o art. 4º da Lei n.º 7.395/85, razão pela qual, nesse caso, o "apoio" a que faz menção o art. 7º, da Lei n.º 9.870/99 deve ser presumido.
5. Ainda que assim não fosse, no caso houve assembléia especificamente convocada para o ajuizamento das ações previstas na Lei n.º 9.870/99 (fls. 76/91), havendo sido colhidas as respectivas assinaturas dos alunos, circunstância em si bastante para afastar a ilegitimidade aventada pelo acórdão recorrido.
6. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1189273/SC, Min. LUIS FELIPE SALOMÃO - QUARTA TURMA, DJE, 04.03.2011)