Pessoal segue abaixo artigo que encaminhei ao portal LFG para publicação.
Novos apontamentos oriundos da possibilidade de revisão de processos de investigação de paternidade com o advento do exame de DNA.
O que se pretende nesse pequeno artigo é refletir sobre a matéria da revisão de processos de investigação de paternidade em razão do avanço tecnológico do DNA, tendo em vista a discussão ainda em andamento no Supremo Tribunal Federal no que se refere a possibilidade de sacrificar o princípio da Segurança Jurídica em detrimento da Busca da Verdade Real da origem biológica.
Sem o escopo de realizar um estudo detalhado e aprofundado, nos servimos do presente como meio de tecer comentários a respeito do que está sob discussão na Corte Suprema brasileira.
A filiação materna e paterna é inerente ao ser humano. Quando desconhecida ou suprimida, o próprio homem (gênero) questiona suas origens, perseguindo-a pelos meios disponíveis até alcançar uma resposta.
Baseada nessa ânsia do homem, é que o Estado permite a busca e declaração dessa realidade por meio das chamadas ações negatórias/investigatórias de paternidade/maternidade. Prova preponderante na análise desses pleitos é o exame de DNA que corrobora para se fixar de maneira mais segura qual seja a origem do homem. Não se baseia no lastro do que “dizem” pessoas, mas em exame de material genético com precisa segurança de quem sejam pai ou mãe de fulano.
O direito a filiação, portanto, protege não só a relação pai versus filho, mas suas correlações, tal como o exercício do pátrio poder, o dever de cuidado e guarda, constituição, modificação e extinção da filiação, proteção da pessoa e assistência em geral.
O uso de exame de DNA como fundamento nas ações de investigação de paternidade tem sido critério primordial para analisar pela procedência ou não de tais pedidos. Contudo, nem sempre foi possível aferir-se com tamanha precisão, pedidos dessa natureza. E isso porque na ausência da tecnologia do exame de DNA, outras eram as provas utilizadas nos processos que versavam sobre essa matéria, tais como escritos, fotos e testemunhos, todas provas de condão, mais frágil que a verdade alcançável pelo teste de material de genético.
Do advento desse avanço tecnológico, Supremo Tribunal Federal, em sede de Recurso Extraordinário, ainda sob julgamento, já que pedido vista pelo Ministro Luiz Fux nesse último dia 07 de abril, o tema de investigação de paternidade volta a merecer reflexões. Questiona-se se o Judiciário pode reabrir processos em que o filho não teve reconhecida a paternidade por falta de provas porque à época não havia a possibilidade de se fazer o teste do material genético? Ou rediscutir os casos em que a paternidade foi reconhecida e até hoje o pai contesta o resultado da ação? O Recurso Extraordinário que está permitindo esta reflexão, muito embora o Judiciário seja provocado reiteradamente sobre o tema, tem por Relator o ministro Dias Toffoli que consignou entendimento de que no campo dos princípios da segurança jurídica e do direito a conhecer sua verdadeira origem biológica (princípio da verdade real), este último deve preponderar sobre aquele. Assim, ações que versassem sobre a matéria, pautando-se pela coisa julgada e a segurança jurídica, segundo seu entendimento, deveriam curvar-se face a existência de uma forma de produção de prova nova e mais exata para corroborar com a verdadeira paternidade, e portanto ser revistas.
Para Toffoli a coisa julgada não poderia preponderar sobre a verdade sobre a origem biológica, merecedora de investigação até se alcançar uma resposta calcada em critérios técnicos de absoluta veracidade tutelada pela Justiça.
Vemos que tal entendimento merece nossa reflexão mais detida, tendo em vista, que o exame de DNA não é qualquer avanço tecnológico, mas uma forma inequívoca de mudança de paradigma na análise de pleitos sobre paternidade, que em nada se assemelha ao conjunto probatório que se poderia submeter ao crivo do Judiciário nos tempos passados.
Em outras palavras, aferir-se o direito à filiação com base em provas que não permitem concluir a verdade inconteste de ser ou não pai/mãe de fulano em detrimento da possibilidade de solucionar-se a questão por exame de material genético, nos parece no mínimo mentir sobre a verdade de ser pessoa com origem determinada. Foge a realidade do sentimento de pertencer do homem.
Confrontado os dois princípios questiona-se até que ponto novas descobertas científicas e o avanço tecnológico poderiam ser usadas para desconstituir decisões definitivas da Justiça? Em outras palavras qual o papel da Segurança Jurídica por meio da Coisa Julgada caso não se atribuísse a decisão força de definitividade?
Ante o questionamento, Dias Toffoli sopesa que a questão se trata de um conflito entre, de um lado, a segurança jurídica da coisa julgada, e, do outro, a dignidade humana e a paternidade responsável (art. 226, §7º da CR/88).
O ministro Dias Toffoli ressaltou, em seu voto, que relações familiares não se estabelecem por decisão judicial. Também afirmou que “relações baseadas em caracteres não-biológicos, porque dotadas de conteúdo humano e afetivo, devem ser, via de regra, respeitadas e prestigiadas”. Apesar das considerações, para o Ministro, a Justiça não pode deixar de dar uma resposta eficiente a um homem que busca ter certeza de sua origem biológica, pautando-se inclusive em entendimento esboçado pela Ministra Hellen Gracie em outros julgamentos sobre o tema.
A respeito da origem biológica e sua descoberta, a matéria já foi inclusive analisada pelo STF sobre a relatoria do Ministro Maurício Corrêa, julgamento que para Dias Toffoli trata-se do leading case sobre a matéria:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAR AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. FILIAÇÃO. DIREITO INDISPONÍVEL. INEXISTÊNCIA DE DEFENSORIA PÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A Constituição Federal adota a família como base da sociedade a ela conferindo proteção do Estado. Assegurar à criança o direito à dignidade, ao respeito e à convivência familiar pressupõe reconhecer seu legítimo direito de saber a verdade sobre sua paternidade, decorrência lógica do direito à filiação (CF, artigos 226, §§ 3o, 4o, 5o e 7o; 227, § 6o). 2. A Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições prescritas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, artigos 127 e 129). 3. O direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da pessoa humana e traduz a sua identidade, a origem de sua ancestralidade, o reconhecimento da família, razão pela qual o estado de filiação é direito indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria (Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 27). 4. A Lei 8560/92 expressamente assegurou ao Parquet, desde que provocado pelo interessado e diante de evidências positivas, a possibilidade de intentar a ação de investigação de paternidade, legitimação essa decorrente da proteção constitucional conferida à família e à criança, bem como da indisponibilidade legalmente atribuída ao reconhecimento do estado de filiação. Dele decorrem direitos da personalidade e de caráter patrimonial que determinam e justificam a necessária atuação do Ministério Público para assegurar a sua efetividade, sempre em defesa da criança, na hipótese de não reconhecimento voluntário da paternidade ou recusa do suposto pai. 5. O direito à intimidade não pode consagrar a irresponsabilidade paterna, de forma a inviabilizar a imposição ao pai biológico dos deveres resultantes de uma conduta volitiva e passível de gerar vínculos familiares. Essa garantia encontra limite no direito da criança e do Estado em ver reconhecida, se for o caso, a paternidade. 6. O princípio da necessária intervenção do advogado não é absoluto (CF, artigo 133), dado que a Carta Federal faculta a possibilidade excepcional da lei outorgar o jus postulandi a outras pessoas. Ademais, a substituição processual extraordinária do Ministério Público é legítima (CF, artigo 129; CPC, artigo 81; Lei 8560/92, artigo 2o, § 4o) e socialmente relevante na defesa dos economicamente pobres, especialmente pela precariedade da assistência jurídica prestada pelas defensorias públicas. 7. Caráter personalíssimo do direito assegurado pela iniciativa da mãe em procurar o Ministério Público visando a propositura da ação. Legitimação excepcional que depende de provocação por quem de direito, como ocorreu no caso concreto. Recurso extraordinário conhecido e provido” (STF, RE nº 248.869/SP, DJ de 12/3/04).
Pressupõe-se que aquele que bate às portas do Judiciário, valendo-se do direito de provocar o Estado para alcançar tutela que entende ser direito seu, leva ao Judiciário o querer buscar alcançar a verdade sobre sua origem. Qualquer outra alegação, inclusive sobre a não exclusão da paternidade com base na socioafetividade deveria ser sacrificada em face da busca da verdade quanto à origem biológica. Quem busca a declaração da paternidade quanto a fulano, com certeza pretende a verdade real, e a socioafetividade nesses casos resta prejudicada.
De acordo com Toffoli, com quem concordamos, o Supremo deve permitir a relativização da coisa julgada.
Importante frisar ainda, que nas situações de estado, o Direito não cria nada, apenas declara o que a realidade é. Cabe então ao Estado, por meio do Judiciário apenas declarar a realidade.
Outro ponto relevante apontado pelo Ministro Relator Toffoli consiste na necessidade de que haja regras claras sobre o tema, expressas por meio de lei aprovada pelo Congresso Nacional. Seria importante que o próprio Legislativo excepcionasse a possibilidade de revisão de veredictos, prevalecendo a possibilidade do pedido ainda que tendo havido coisa julgada, com base na decisão decorrente de instrução probatória deficiente e inconclusiva.
Em outras palavras, não se pretende enterrar o princípio da coisa julgada, mas sopesar casos que fogem a essa regra.
Destaca-se por fim que Ministros do Superior Tribunal de Justiça, indagados quanto ao tema se posicionaram, com exceção do Ministro Massami Uyeda, no sentido de prestigiar-se o princípio da segurança jurídica, ou permitir-se-ia que a cada avanço tecnológico matérias fossem reanalisadas pelo Judiciário sem um fim.
Fonte:
- VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. V. 6. 5ª Ed. São Paulo: Atlas, 2005.